Ministro do STF
suspendeu dispositivo que assegura validade de um acordo até que outro seja
firmado. "Entendimento é equivocado", diz Anamatra. "Ameaça a
milhões de trabalhadores", afirma sindicalista
Decisão
do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é vista como novo
episódio de ataque a direitos trabalhistas, na visão de advogados e
sindicalistas. Na última sexta-feira (14), ele suspendeu efeitos de decisões da
Justiça do Trabalho relacionadas à chamada ultratividade de acordos coletivos –
um entendimento de que as cláusulas de um acordo coletivo sigam valendo até que
outro acordo seja firmado.
Mendes atendeu a pedido feito pela Confederação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que questionava a Súmula
277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trata do tema. O texto diz:
"As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas
integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas
ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho".
Em sua decisão, que é
liminar – ainda será examinada pelo plenário do tribunal –, o ministro do STF
diz que a Justiça do Trabalho "segue reiteradamente aplicando a alteração
jurisprudencial consolidada na nova redação da Súmula 277, claramente firmada
sem base legal ou constitucional que a suporte". Mendes é o relator da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 323, apresentada pela
Confenen. Para a entidade patronal, a súmula do TST contraria itens dos artigos
2º (separação de poderes) e 5º da Constituição (igualdade perante a lei). Para
o ministro, tribunais trabalhistas interpretam "arbitrariamente a norma
constitucional".
O ponto de vista é
contestado pelo presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira. "Com todo respeito ao ministro
Gilmar, o entendimento é equivocado. A Súmula 277 tem base constitucional. A
ultratividade tem apoio da doutrina", afirma.
Para Siqueira, a
jurisprudência do TST garante segurança jurídica, com "amplo apoio"
da Constituição. "Enquanto não houver novo acordo, é prudente que o
anterior permaneça em vigor." Ele acredita que a decisão de Gilmar Mendes,
que ele chama de "intervenção brusca", se confirmada, "vai gerar
instabilidade todos os anos".
O presidente da
Anamatra dá o exemplo de um acordo coletivo que chega ao fim e não é renovado.
"Imagine que o acordo preveja plano de saúde. O empregador poderia deixar
de pagar? Imagine que o trabalhador, por conta desse entendimento do ministro Gilmar,
perde a carência. Como fica isso?", questiona. "Enquanto não viesse
um novo acordo, valeria a cláusula anterior. Não haveria nenhuma pegadinha,
nenhuma surpresa".
Sobre outras
iniciativas de mudanças da legislação trabalhista, ele afirma que cabe ao
Judiciário garantir proteção social. "Particularmente, não quero crer que
isso esteja acontecendo de forma articulada, de forma alguma", afirma,
citando o artigo 7º da Constituição, sobre direitos dos trabalhadores rurais e
urbanos. Do ponto de vista da Justiça, diz Siqueira, só poderia haver um novo
entendimento "por uma interpretação completamente heterodoxa da
Constituição Federal". "O conjunto dos magistrados irá valorizar o
trabalho humano como princípio, como garantia."
Interpretação
"danosa"
A liminar concedida
no STF foi vista com preocupação no meio sindical. "A decisão do
ministro Gilmar Mendes enfraquece a posição das entidades sindicais dos
trabalhadores e coloca em risco os direitos de milhões de trabalhadores
brasileiros", afirmou, em nota, o presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM, ligada à Força Sindical), Miguel Torres.
"Basta que uma empresa se recuse a renovar as cláusulas das normas
coletivas (acordo coletivo ou convenção coletiva) com os sindicatos e os direitos
ali contidos deixarão de existir."
"Essa é apenas
uma dentre várias medidas contra os trabalhadores que estão no escopo do STF,
que há algum tempo tem interpretado de maneira danosa a legislação
trabalhista", diz o advogado Magnus Farkatt, assessor jurídico da CTB. Ele
cita como exemplo, entre outros, a validade da Súmula 331 do TST, que veta a
terceirização em atividades-fim. Para ele, o Supremo já começa a fazer "a
reforma trabalhista que o governo Temer prometeu".
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